28 de agosto de 2016

MEU AVÔ


Está vendo aquele senhorzinho magro que ali vai, chapéu de feltro na cor pino, já de certo uso, a cobrir seus cabelos brancos? É o meu avô, a quem todos da família - filhos e netos - chamamos Papai Juquinha.
Ele está acordado desde as cinco da manhã e tomou seu banho frio como sempre. Nunca reclamou da temperatura da água. Nem no inverno; muito menos, no verão!
Preste atenção agora aos seus passos lentos, o tronco um pouco arqueado sobre a linha da cintura, as mãos cruzadas atrás, sobre o quadril. Vai em direção à máquina de café, que gerencia para o turco Quirino, libanês que mora em Bom Jesus.
Repare na sua roupa simples: calça cáqui, camisa de algodão de manga curta, com as fraldas sempre para dentro; cinto de couro surrado e botinas velhas. Simples, mas asseada.
Veja seus olhos vivos, as bochechas cavas, na face enrugada pelos anos duros, seu bigode sobre o lábio fino. Parece que tenta assoviar alguma melodia desconhecida, mas não consegue. Já quase não tem dentes. Talvez isso explique o zumbido em vez do assobio.
Observe agora, quando volta para casa, à hora do almoço. Entra quieto, diz alguma coisa para minha avó, tira o chapéu, que pendura num cabide à parede, e vai lavar as mãos.
Come a comida saborosa que a mulher prepara: arroz fresquinho, feijão encorpado, ovo estrelado, couve picadinha, jiló frito, angu de corte e um naco de carne de porco guardada na gordura. Nunca teve inapetência na vida e pela vida. 
Agora está sentado à mesa, lendo A Voz do Povo. Passa os olhos ligeiros sobre o que interessa. Depois pega o lápis e dá de fazer contas nas margens do jornal. Todos os seus jornais terminam cheios de contas pelas margens. São os cálculos das arrobas de café e arroz piladas na máquina sob sua responsabilidade.
Lá vai ele de volta ao trabalho após o almoço. Fala com um e com outro que encontra no trajeto. Na vila, todos o conhecem e ele conhece a todos. Pode não saber o nome, mas lê suas fisionomias. Aquele é filho do Deolindo. O outro é o genro do Aristides Turco. Aquele molequinho ali, de calção caindo da cintura, as costelinhas desenhadas no peito, é neto do Precisval. Fala com um e com outro, indiferentemente: Oi! Boa tarde! Como vai?
No fim da tarde, após o banho para tirar o pó da pilação e antes da janta, vai encontrar os amigos para a conversa de sempre. E, mesmo sem dentes, nunca deixou de gargalhar. Sim, ele gargalha com facilidade. A vida difícil não lhe tirou nenhum traço de alegria. E é fácil vê-lo na esquina da venda do João Mestre, na roda de amigos, a rir das histórias deles e a contar as suas.
Se volta para casa tentando assobiar, minha avó, à varanda, desconfia de que ele esteja com alguma ideia saliente na cabeça. Andou falando em mulher aquele velho safado. É o que ela sempre diz dele.
Ali ao lado dela, observo meu avô chegando e, por dentro, rio desse ciúme tardio que ela nutre, passados não sei quantos anos em que vivem juntos, depois de dez filhos, uma montoeira de netos.
A casa na pracinha da vila recebe meu avô de volta. Minha avó vai para a cozinha quentar a janta, enquanto tenta saber dele o motivo de tanta alegria.
Ele ri, mas se aborrece com a impertinência dela. 
Eu fico quieto no meu canto.
Para mim, meu avô não tem defeitos!


Van Gogh, Le vieil homme triste, 1890, Museu Kröller-Müller.

Um comentário:

  1. É assim Saint-Clair. Estão em nossa vida de forma mais intensa do que podemos imaginar. Nossos avós, nós mesmos neles espelhados. Grande abraço.

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