24 de maio de 2018

POEMA SEM FACES


Nas noites de frio
Haja ou não lua no céu
Tomo um cálice de conhaque
Para ver se comovido
Bebo os versos do poeta.
E me distancio sempre
À medida que sorvo os goles.
Não vejo a face da poesia.
Apenas tento compor alguma coisa em desalento
E para isto me bastam
A vontade e o tempo.
Se é poesia o que nasce
Nesses momentos
Bem não sei.
Talvez apenas e tão-somente
Um poema sem faces.

Patos (foto do autor).


17 de maio de 2018

SINGING IN THE BATHROOM

Às vezes, canto no banheiro. E até gosto do que ouço, no pequeno ambiente com acústica favorável. Parece que minha voz de pato esganado melhora um pouco, com o amortecimento da chuva que cai do chuveiro e com a fofura das toalhas de banho.
E, quando canto, não canto nada além dos meus trinta anos. Se tanto! O que minha memória reteve de letras de música são, principalmente, os versos das canções que ouvia em menino. Talvez até Geraldo Azevedo e Alceu Valença, em seus primeiros discos. Ou mesmo Caetano, Chico, Gil, Paulinho, também só no início. Um tanto de  Belchior, Fagner e Ednardo, em seus começos. Depois nada mais retive. Não sei cantar nenhuma canção dos Titãs, por exemplo. Ou da linda Tiê, de que tanto gosto. Nem da Vanessa da Mata, outra minha paixão musical. Ou mesmo da Roberta Sá. Oh, céus!
Por isso é que canto coisas antigas, até mesmo canções de que nunca gostei, mas que ouvia em criança, em Carabuçu, espalhadas aos quatro ventos pelo alto-falante do Narck Pontes. Ou as canções de serestas, que odeio, mas ouvia o Darcizinho cantar pelas ruas e praça da minha vila natal. E também jamais gostei daquele canto empolado, de timbre potente, voz de tenor ou barítono, que nossos cantores populares à época faziam, com raríssimas exceções.
Assim, quando surgiu João Gilberto, com sua voz de pavio de lamparina, achei mesmo que poderia – eu também – me tornar um cantor famoso. Até que ouvi minha voz gravada e não a reconheci. “Esse não sou eu falando!”, disse para o amigo Dalmar, que fizera a gravação num poderoso gravador de rolo de fita recém importado, à venda na Ótica Avenida, onde trabalhávamos. “É exatamente a sua voz!”, informou ele, para a minha total decepção, mas para garantir a qualidade do produto. Não, eu não ganharia a vida cantando, pois aquele não era um gravador qualquer!
Mas, a despeito de todas as provas em contrário, continuei cantando no banheiro até semana passada. E, nessas oportunidades, me vêm à memória canções que ficaram no limbo de nossa música popular, porque, segundo me parece, estiveram entre a velha canção brasileira, cujos últimos intérpretes foram Nelson Gonçalves e Orlando Silva, e a revolução trazida pela Bossa Nova e, logo depois, pela hoje identificada MPB, com expoentes como Gil, Caetano, Chico, dentre os mais badalados. Porém, naquele vácuo lá pelos idos de 50/60, já se prenunciava que a estética da música popular brasileira estava a mudar de cara. Ou melhor, de poesia, de letra. Até então o que se tinha de maior veiculação nas rádios era uma música com temática de cais do porto, de bordel, de paixões por mulheres de vida airosa, para ficar num eufemismo, em que o autor chorava dores de cotovelo irremediáveis.
Tais músicas fizeram a transição entre aquela estética antiga – e de mau gosto, para os meus ouvidos – e a nova MPB. Traziam uma linguagem mais moderna, com novas metáforas, e um ritmo que prenunciava a bossa-nova. E tenho quase certeza de que a maioria de meus leitores nunca as ouviu. Menina moça, Mulher de trinta, E daí, Carinho e Amor, Bolinha de sabão, Balanço Zona Sul, Lembranças, Cara de palhaço, dentre outras, e que podem soar velhas para as novas gerações.
Por isso é que continuo singing in the bathroom tais músicas, já que não consegui gravar nenhuma letra das que vieram depois que meu disco rígido natural já estava sem muito espaço livre.

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Imagem em elo7.com.br.

7 de maio de 2018

ATÉ AS FARMÁCIAS!


Preferia a farmácia do Zé da Farmácia, lá em Carabuçu, nos idos dos 60. Hoje, em Niterói (Não sei em outras cidades.), ter necessidade de comprar um remédio é mais um motivo de estresse. É até perigoso você ficar doente, só de tentar comprar um rolo de esparadrapo.
A maioria delas tem filas para atendimento, filas para o pagamento e filas para torrar a paciência do paciente, cliente, usuário, seja lá o que for. Mas paciente cai bem aqui. Você tem de ser paciente, senão acaba se aporrinhando sério. E o que dizer dos preços?
Na farmácia do Zé, por exemplo, que eu frequentava diariamente à cata de gibis e de algum papo, não havia filas. Havia falas, conversas, atendimento humanizado. Embora a injeção de Gadusan na veia, para os males provocados pela gripe, fosse um petardo, o restante eram amenidades.
As farmácias de grandes cidades despertam suspeitas. A cada esquina é uma delas. Estão substituindo bares, restaurantes, postos de gasolina e, pasmem, até lanchonete famosa. Posso dizer que é o comércio mais prolífico das grandes cidades. As pessoas, a cada novo estabelecimento, acendem o desconfiômetro sobre a motivação real que gera tantas farmácias. O povo não está assim tão doente, que precise de tantas delas.
Tenho horror a farmácias! Menos à do Zé da Farmácia, que existia lá na minha vilazinha no norte do estado, onde eu lia gibis e conversava com o Ronaldo, lá uma vez ou outra com o Zé, sempre ocupado com alguma coisa.
Essas daqui parecem dizer que você não tem saída, a não ser que entre numa delas, para comprar aquele medicamento que vai aliviá-lo dos males do corpo, da alma e de lá mais sei o quê.
A farmácia do Zé tinha o cheirinho característico das farmácias pequenas do interior, com seus vapores de manipulação e do esterilizador de seringas e agulhas.
As daqui cheiram estranhamente, embora sejam quase assépticas, insossas e inodoras.
Tenho muito receio destas farmácias!



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